top of page
Foto do escritorBruna Cordeiro - ASCOM

Caatinga, o trunfo brasileiro no combate às mudanças climáticas

Bioma é o mais eficiente no sequestro de carbono entre todos os outros estudados

Combater a desertificação é muito mais eficiente do que recuperar áreas desertificadas - Flickr A.Duarte

A região Semiárida Brasileira (SAB) corresponde a uma área de 1.127.953 km2 divididos entre 1.427 municípios. O clima de toda região é caracterizado por pouca chuva (baixa precipitação pluviométrica), calor (alta temperatura média do ar) e muito sol (elevada radiação solar incidente), o que resulta em limitação de água para o consumo vegetal, animal e humano. Os quase 28 milhões de habitantes que acolhe a região semiárida, vivem em sua maioria nas áreas urbanas (62%).

No entanto, uma parcela significativa destas áreas urbanas vivencia uma dinâmica rural, já que 90% dos municípios da região são classificados como pequenos, por possuírem menos de 50 mil habitantes. Além disso, 56% das propriedades rurais apresentam áreas inferiores a cinco hectares.

A caatinga é a vegetação nativa dominante do Semiárido. O bioma ocupa uma vasta área de aproximadamente 850 mil km² de floresta arbórea-arbustiva, com cactos, bromélias e estratos herbáceos abundantes durante o período chuvoso. Os solos variam desde os mais jovens (neossolos), até aqueles mais velhos (latossolos) e sua paisagem é muito diversa. Abrange desde o litoral norte da região Nordeste até o norte de Minas Gerais. Entre seus limites, se destacam: a Depressão Sertaneja; as superfícies Cársticas; o Planalto da Borborema; as dunas continentais; as bacias sedimentares; as grandes áreas de aluviões; as serras e serrotes; os maciços residuais; as superfícies retrabalhadas; e as chapadas.


O Semiárido compreende todos os estados nordestinos, Minas Gerais e o Espírito Santo / Sudene

A desertificação é um problema grave no Semiárido. Evidências científicas indicam que cerca de um milhão de hectares encontram-se gravemente degradados. A redução das áreas de vegetação nativa é sempre o principal vetor de desertificação, provocada pelo manejo inadequado dos recursos naturais, resultando em perdas significativas de matéria orgânica do ecossistema. Apesar da principal ação ser a remoção da madeira das áreas de floresta nativa, os maiores danos são observados no solo.

Nos ecossistemas naturais, a maior parte do armazenamento de matéria orgânica está no solo, tendo o dióxido de carbono (CO2) como principal elemento de sua composição. O CO2 tem profundas implicações no clima. A crescente taxa de emissão de CO2 vem sendo apontada como umas das principais causas do aquecimento global e, consequentemente, das mudanças climáticas.

Nesse contexto, os ecossistemas desempenham um papel relevante na absorção de grandes quantidades de CO2 atmosférico. Ou seja, são aliados importantes na mitigação dos efeitos dessas mudanças causadas pelas elevadas quantidades desses gases emitidos, resultantes das atividades humanas, especialmente indústria e transporte.

Os ecossistemas absorvem ou sequestram CO2 da atmosfera pelo processo fotossintético – transformação da energia solar em energia química – e, ao mesmo tempo emitem CO2 para a atmosfera pelo processo de respiração das plantas e do solo.

Os solos representam o maior reservatório de CO2 do planeta, contendo cerca de três vezes mais carbono que a vegetação e, duas vezes mais do que a atmosfera. O armazenamento de carbono nos solos resulta do balanço entre a incorporação de material vegetal e as perdas resultantes dos processos de decomposição desses resíduos vegetais.

Dessa forma, a perda de recursos florestais são apenas o início do processo de desertificação que aumenta quando os solos estão plenamente descobertos. As áreas desertificadas têm perdido cerca de 75% do carbono armazenado. Por isso, a importância do uso sustentável.

No entanto, o potencial de sequestrar carbono através da reabilitação destas áreas é substancial, bem como o sequestro e armazenamento de carbono mediante a preservação e uso sustentável de 45% de cobertura florestal que ainda existe na região SAB, com seus variados níveis de conservação.

Um ecossistema é considerado um sumidouro de CO2 se este absorve ou sequestra mais CO2 do que emite via respiração pelas plantas e o solo. No Semiárido brasileiro devido ao déficit hídrico, os solos tendem a perder menos carbono do que nas regiões mais úmidas. Em consequência, o tempo de permanência média do carbono no solo é maior.

Portanto, os solos do Semiárido, por si, já são importantes aliados na mitigação das emissões do CO2 para a atmosfera. O real papel do bioma Caatinga no sequestro de Carbono, sempre foi questionado. Contribuem para essas desconfianças a falta de estudos dessa temática, tão comum em outros biomas, e o desprezo pelo qual a Caatinga sempre foi tratada, renegada a condição de floresta insignificante, desprezível, de baixa produtividade primaria.

Porém, os estudos recentes que vêm sendo realizados pelo Observatório Nacional da Caatinga estão elucidando o extraordinário papel do bioma Caatinga para o Balanço de CO2 regional e global. O Observatório Nacional da Caatinga faz parte de um seleto grupo de 100 projetos dos Institutos Nacionais de Ciência de Tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq/MCTI.

Se trata de uma rede multidisciplinar de pesquisadores nacionais e internacionais que atuam no desenvolvimento de pesquisas experimentais e de modelagem da dinâmica de água e carbono no Semiárido brasileiro. Desde 2012, esta rede, vem monitorando as trocas de CO2 entre a caatinga e atmosfera.

Os resultados mostram que, ao contrário do que se supunha, a caatinga atua como excelente sequestradora de CO2, mesmo em períodos de seca extrema. Em áreas de caatinga hipoxerófilas (mais úmidas), ela sequestra até cinco toneladas de CO2 por hectare-ano. Em áreas de caatinga hiperxerófilas (mais secas) o sequestro varia entre 1,5 a 2,5 toneladas de CO2 por hectare-ano.


A caatinga úmida sequestra até cinco toneladas de CO2 por hectare-ano / Flickr

Os resultados ainda mostram que a caatinga apresenta uma elevada eficiência de uso do carbono, o que a torna a floresta mais eficiente no uso do carbono do que todos os demais tipos mundialmente estudados até agora. Tal eficiência é em média de 45%. Ou seja, de cada 100 toneladas de CO2 absorvido, ela retem 45 toneladas. A eficiência no uso da água também é bastante elevada, variando de 5,2 a 2,7 quilogramas de CO2 fixado por metro cúbico de água transpirada.

Ao considerar os quatro principais sistemas de uso do solo - Caatinga Densa, Caatinga Aberta, Pastagem e Agricultura, com as sete principais classes de solos que cobrem 90% do Bioma Caatinga, se verifica valores expressivos de carbono estocados neste ecossistema. Áreas de Caatinga Densa armazenam, em média, cerca de 125 toneladas de Carbono por hectare. A maior parte deste carbono é armazenada no solo (72%), seguida por biomassa acima do solo (16%), biomassa abaixo do solo (7%), madeira morta (3%), serapilheira (1,5%) e biomassa herbácea (0,5%). Por sua vez áreas de Caatinga Aberta armazenam 86 toneladas de carbono, quase 30% menos Carbono do que a Caatinga Densa.

A substituição da Caatinga Densa por pastagens e agricultura causam perdas de mais de 50% dos estoques de Carbono do ecossistema, atingindo quase 65 toneladas de Carbono por hectare. Estas áreas representam uma elevada oportunidade para sequestrar carbono via processos de reabilitação ou através de desenvolvimento de sistemas produção de base agroecológica.

Sequestrar e armazenar carbono nestas áreas poderá trazer benefícios ambientais, econômicos e sociais para os moradores desta região e contribuição significativa no esforço mundial para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. As consequências no incremento do sequestro de carbono incluem melhoria na fertilidade do solo e aumento da produtividade do solo para a obtenção de alimentos saudáveis, segurança e soberania alimentar.

Finalmente, destacamos que, embora existam planos estaduais de combate à desertificação para região, nenhum deles foi, até o momento, implementado. Por outro lado, as tentativas de recuperação de áreas degradadas com programas de reflorestamento e nucleação têm tido êxito limitado em relação ao número de árvores plantadas e áreas recuperadas, devido ao escasso ou nulo benefício econômico proporcionado aos agricultores, revelando a necessidade de desenvolver um Programa de Crédito Social de Carbono na região SAB, que possa gerar benefícios econômicos, ambientais e sociais, a curto e médio prazo, e assim, combater a desertificação e as mudanças climáticas.

Tal iniciativa deveria ser implementada pelo Ministério de Meio Ambiente através da Secretaria de Combate a Desertificação em articulação com o robusto arranjo institucional e movimentos sociais que atuam no Semiárido brasileiro. O Semiárido brasileiro hoje abriga mais de 200 instituições nas áreas de pesquisa científicas e desenvolvimento tecnológicos, no ensino e na extensão, aptas para desenvolver projetos e atividades na direção de transformar a fisionomia dessa região e oferecer grande contribuição ao esforço internacional de combate à desertificação e às mudanças climáticas.

Por sua vez, é no Semiárido onde se encontram mais de três mil organizações da sociedade civil: atuantes e afinadas com a luta contra a desertificação, contra o desmatamento. Defensoras e praticantes de atividades econômicas ambientalmente sustentáveis. Na grande maioria articuladas na ASA – Articulação do Semiárido. São movimentos sociais, ONG’s, cooperativas e associações populares fundamentais como sujeitos históricos no processo de transformações socioambientais que essas terras precisam.

A articulação entre os movimentos populares atuantes na região SAB com esse universo institucional-científico instalado nesse território será fundamental para desenvolver esse extraordinário potencial da caatinga no sequestro de CO2, tão importante para a vida do planeta hoje e no futuro.

Publicador originalmente por Brasil de Fato em: 20/03/2023.


Responsável: Aldrin M. Perez-Marin, José Jonas Duarte da Costa e John E.B.L. Cunha;

Edição: Rodrigo Durão Coelho



42 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page