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Agricultura Familiar: Construção de Saberes e Resistência

Mais de 70% dos alimentos que chegam às nossas mesas foram cultivados por pequenos produtores, cuidadosos em olhar para a terra com respeito e cooperação.

Foto: Maciel Silva - Acervo AGENDHA

“Nunca trabalhei de carteira assinada ou em casa de família. Minha trajetória sempre foi a agricultura familiar. Foi através dela que criei meus oito filhos, hoje todos casados, e ainda permanecem na terra”. Quem conta é Maria  dos Santos, a Fafá. Ela é filha de agricultores, nasceu e continua morando na Comunidade de Genipapo, no município de Itapipoca, Ceará.

Ela é um dos tantos exemplos que mostram a importância histórica da agricultura familiar no Brasil. O Censo Agropecuário de 2017 mostrou que, apesar de ocupar apenas 23% das terras agricultáveis, ela é responsável pela produção de 70% de todos os alimentos que chegam às nossas mesas. Além de garantir 80% dos empregos no campo, revelando a sua importância ao gerar renda local, fixar o homem na terra e diminuir as demandas nas cidades por saúde, educação, saneamento básico, entre outras.


De acordo com o levantamento, a agricultura familiar responde pela economia de 90% dos municípios com até 20 mil habitantes. Considerando somente a agricultura familiar, o Brasil ocupa a 8ª posição entre os países que mais produzem alimentos.


Em grande parte do Brasil rural, a presença das mulheres é preponderante.  Cerca de 70% do que é consumido nas famílias vem dos quintais que estão sob os cuidados delas. Vendem ou trocam produtos e fornecem alimentos para suas famílias.



Agricultoras e sua relação com a terra


Dona Ritinha, como prefere ser chamada, se mudou com a família, aos 10 anos, para Esperança, no Agreste da Borborema, Paraíba. Foram morar nas terras de seus avós. Foi ali que tomou contato pela primeira vez com a agricultura e se encantou. Engravidou aos 17 anos, e para dar melhores condições de vida ao filho, foi morar no Rio de Janeiro, onde passou 23 anos trabalhando em casa de famílias, vendendo sanduíche na praia – chegou até a trabalhar como governanta na casa de um ex-embaixador. Foi assim que conseguiu juntar dinheiro e voltar para as suas terras. Onde viveria a verdadeira revolução no modo de produzir alimentos em pleno semiárido nordestino.


Norma Maria da Silva, 50 anos, nasceu e foi criada em Terra Santa, oeste do estado do Pará. Filha de agricultores, é presidente da Associação de Mulheres “As Flores de Terra Santa”, que cultiva hortaliças, produz artesanato e, durante a pandemia, está produzindo máscaras para serem doadas às comunidades mais vulneráveis. 


Fafá, Dona Ritinha e Norma são três mulheres que têm em comum o cuidado e o amor à terra, como tantas outras Brasil afora. São agricultoras familiares e vivem nas regiões norte e nordeste, responsáveis, inclusive, pela maior parte da produção agrícola familiar do país.


Os desafios da agricultura familiar frente ao agronegócio


Apesar da agricultura familiar ser a verdadeira responsável pela geração de riquezas e de alimentos para o país, de promover o desenvolvimento socioeconômico e cultural de forma sustentável nas comunidades locais, esses pequenos produtores têm acesso a apenas 14% de todo o financiamento disponível para a agricultura.


As grandes propriedades rurais, ou o agronegócio, são voltadas para a produção em grande escala de grãos para o abastecimento das indústrias e do mercado externo. Reproduzem um modelo econômico que concentra poder e renda, geram exclusão social e empobrecimento das culturas locais e acentuam processos de degradação ambiental, por meio do uso de maquinários pesados, de agrotóxicos e do uso indiscriminado do solo.


Em contraste com o modelo de agricultura convencional, a agricultura familiar aposta na diversidade, preserva alimentos tradicionais e protege a biodiversidade, já que muitos agricultores e agricultoras seguem os princípios da agricultura orgânica e agroecológica. E, assim, colocam à disposição da sociedade a oferta de alimentos saudáveis e com preços acessíveis.


Agroecologia na agricultura familiar


Fafá enumera com orgulho as dezenas de frutas típicas do nordeste que ela e sua família produzem através do Sistema Agroflorestal. Mandioca, milho, feijão, hortaliças e ervas medicinais são vendidas por Fafá e outras 25 famílias na Feira Agroecológica e Solidária do Vale do Curu e Caratiaçu, que acontece semanalmente no município de Itapipoca. E também em  toda primeira sexta-feira do mês em Fortaleza. Fafá faz questão de frisar que o primeiro objetivo de sua produção é o consumo próprio, promovendo a soberania alimentar e nutricional dos seus familiares. O excedente é vendido nas feiras e, o que não é vendido, é doado para pessoas da comunidade, amigos ou parentes. 


Ritinha quando retornou para as terras da família em Esperança, Paraíba, se assustou. O solo estava empobrecido pelas queimadas. Mas decidida a mudar aquele de utilizar a terra, passou a utilizar a palha de feijão, restos de verduras e cascas de frutas para adubar o solo. Plantou um pé de côco e um pé de laranja para ver no que dava. “Eu comecei a deixar o mato crescer, pois ele alimenta a terra”, explica. O resultado: hoje ela já tem mais de 50 pés de fruteiras e cultiva muitas hortaliças, sem falar nos pequenos animais que cria para o consumo familiar.



Um lugar de pertencimento


Pequenos produtores rurais, povos indígenas, comunidades quilombolas, assentamentos de reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores compõem este variado grupo que se caracteriza como a agricultura familiar.


Mas não seria possível qualificá-los apenas pelo tamanho da sua propriedade. É que a forma como se relacionam com suas unidades produtivas está além do sentindo da posse da terra ou da geração de renda. Para eles, essas terras são um lugar de conexões com tudo que está ao seu redor e com a cultura.


Há troca de saberes, solidariedade e cooperação entre pessoas, famílias e grupos.  A terra como um lugar para se viver, cuidar, preservar e respeitar o meio ambiente. Pois é graças a ela que suas vidas se tornam possíveis.


Por Renata Garcia

Publicada originalmente por: https://yam.com.vc em: 20/07/2020

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