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Organizações Sociais pressionam governo para evitar crise de abastecimento alimentar

Foto do escritor: Bruna Cordeiro - ASCOM Bruna Cordeiro - ASCOM

A crise generalizada do coronavírus pode fazer preços dos alimentos subirem vertiginosamente e agravar a situação de fome que já assola o país

Foto: Acervo Sasop

O cenário de crise estabelecido pela disseminação do coronavírus ao redor do mundo tem sido debatido especialmente a partir dos vieses da saúde pública e da economia. Uma outra questão, no entanto, tem alarmado especialistas na área do abastecimento e segurança alimentar: os impactos do necessário isolamento social sobre a produção e comercialização de alimentos, bem como a redução e até restrição das fontes de renda das famílias agricultoras. O agravamento da fome das populações vulneráveis e uma superinflação dos preços em todo o território nacional são apenas duas das consequências diretas desse problema e já começam a se manifestar.


Quem vai ao mercado já notou um nítido aumento dos preços dos alimentos, menos de um mês após o início do isolamento. Este reflexo econômico se dá porque há insegurança tanto do ponto de vista do escoamento da produção, como da capacidade de consumo de uma população ameaçada por perda de renda e desemprego. É o que acontece quando a população está à mercê apenas da regulação de preços pela lógica de lucro privado – é preciso que o Estado participe para equilibrar essa balança.


Atenta a isso, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) elaborou uma proposta e tem se esforçado em pressionar os governos a adotarem medidas de contenção para a iminente crise de abastecimento alimentar. Elaborada com a participação de técnicos no assunto, a proposta teve adesão de 774 movimentos, redes e organizações ao redor do país, que atuam tanto no campo quanto nas cidades, e tem como pontos principais a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que pretende a compra direta da agricultura familiar, além de atenção especial à questão da renda do cidadão do campo e atendimento à segurança alimentar dos segmentos mais pobres da sociedade.

Produção X Consumo

Na Bahia, o Serviço de Assessoria às Organizações Populares Rurais (SASOP) é uma dessas entidades. Carlos Eduardo Souza Leite, coordenador geral da instituição e integrante do núcleo executivo da ANA, explica que ao contrário do que acontece na área urbana, o isolamento não afasta o produtor de alimentos no campo do seu meio de produção, que são essencialmente, água, terra e biodiversidade. “É a maior evidência de que não há razão direta para crise na produção”, demonstra Leite, que é engenheiro agrônomo.


“O principal risco que se corre nesse sentido é a dificuldade na comercialização da produção familiar. Por sorte, a solução mais viável e mais rápida para ligar as duas pontas da questão (produção e consumo) já conta com uma infraestrutura legal e logística prévia razoavelmente estabelecida, mas depende da vontade política para funcionar”, esclarece Leite, ao pontuar a urgência na liberação dos recursos no âmbito federal e estadual.


O Brasil não tem uma política de abastecimento alimentar e esse pode ser um momento oportuno, dada a necessidade, para a retomada do programa, que vem sendo sucateado desde 2014. Assim como o PAA garante o fluxo produtivo, a formação de estoques faz parte de uma política de abastecimento capaz de colaborar na estabilidade de preços. São os estoques que garantem momentos de escassez, sobretudo em relação aos grãos, que são muito importantes na alimentação do povo brasileiro; eles atuam como reguladores capazes de subsidiar os mercados a fim de não faltar alimentos para a população. “Mas isso tudo só funciona bem dentro de uma política mais ampla, capaz de concatenar os elos da cadeia produtiva de alimentos e de compreender a importância da agricultura familiar nesse processo”, esclarece.

Estratégia

Coordenado pelos ministérios da Agricultura e da Cidadania, o PAA foi criado em 2003 e viabiliza a aquisição direta de alimentos da agricultura familiar para abastecimento de populações em situação de insegurança alimentar, mas também para o atendimento a hospitais, quartéis, escolas, restaurantes populares, asilos e outras entidades da rede socioassistencial. No auge do PAA, em 2012, o programa chegou a adquirir quase 300 mil toneladas de alimentos, com 380 itens diferentes, beneficiando aproximadamente 185 mil famílias agricultoras, ao custo de R$ 850 milhões, que foram distribuídos em todo o país. A quantidade é o suficiente para abastecer por mais de 60 dias uma população equivalente a 11 milhões de pessoas.


A proposta encaminhada agora pela mobilização da ANA pleiteia o aporte de R$ 1 bilhão em caráter emergencial (valor que prevê a mobilização de 150 mil famílias de agricultores, com a aquisição de 250 mil toneladas de alimentos, nos próximos três meses), e atingir até o fim de 2021 orçamento equivalente a R$ 3 bilhões. A previsão inicial para 2020 é de apenas R$ 186 milhões, sendo que, destes, R$ 66 milhões estão contingenciados pelo Ministério da Economia. “Nesse sentido, a autorização para a distribuição dos alimentos destinados à merenda escolar para as famílias foi um passo importante, mas longe de ser suficiente, já que nossa questão é anterior à pandemia”, levanta o coordenador do SASOP.

Retomada

“Os recursos que o Ministério da Agricultura tem anunciado para o PAA são limitados e estão atrelados a poucas cadeias produtivas”, diz Leite, referindo-se às notícias divulgadas nos meios de comunicação de que o órgão prevê aportar R$ 500 milhões no Programa, com recursos restritos para os municípios e sem previsão de repasse para os estados. “É dever do governo aportar recursos no PAA, neste momento, em volume condizente com o desafio de garantir as refeições diárias para a população que se encontra em aguda vulnerabilidade”, pontua.


Apesar de o Brasil estar no início do processo, a demora em abordar a questão de forma resoluta tende a aumentar a turbulência econômica no campo, o que implica em maior desestabilização em todo o país. Da mesma forma que o Auxílio Emergencial atende a população urbana que precisa de uma renda mínima para sobreviver durante esse período de incertezas, no campo a medida mais eficaz a ser adotada nesse enfrentamento é a garantia do escoamento e comercialização da produção. “Os mecanismos mais apropriados para isso já estão postos, falta o governo fazer a parte dele”, aponta o agrônomo.
As políticas para a alimentação refletem, necessariamente, as prioridades de desenvolvimento de cada governo – e o contexto do coronavírus torna essas escolhas mais explícitas.

Hoje, já são quase 14 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil e o governo federal tem dado mostras de que só atua em questões de cunho social sob pressão. “Nosso propósito com a articulação nacional é ir além de um auxílio pontual e aproveitar para promover uma retomada efetiva do Programa de Aquisição de Alimentos como uma política pública permanente”, conclui Carlos Eduardo.


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