Localizada no município de Santa Brígida, a Comunidade Morada Velha se destaca como um lugar onde uma territorialidade própria está sendo construída. Nessa comunidade, podemos perceber uma visão de que é na sua própria terra que se encontra o caminho para um futuro melhor. A história desse local revela uma diversidade de elementos que, isoladamente, já mostram a riqueza identitária das manifestações populares brasileiras.
Dentre esses elementos, destacam-se as representações das matrizes arcaicas sertanejas, como a religiosidade expressada pelos "clérigos-místicos" e pelas romarias. Além disso, a produção artesanal tradicional também se faz presente, com destaque para o entalhe da madeira, responsável pela produção de ex-votos religiosos, e o trançado da fibra da palha do licuri, utilizada na confecção de itens de uso cotidiano, como vassouras e o característico chapéu de palha.
No coração dessa comunidade, um grupo familiar se destaca, e seu núcleo é representado pela figura central da matriarca D. Ritinha, também conhecida como Sra. Rita Gonçalves de Jesus Braga. É por meio das atividades artesanais do trançado de palha e do entalhe de madeira que esse grupo familiar fortalece sua identidade cultural e impulsiona o desenvolvimento local.
D. Ritinha, com sua sabedoria ancestral, tem transmitido seus conhecimentos para além das fronteiras de Morada Velha. O trançado da palha do licuri e o entalhe da madeira não são apenas formas de expressão artística, mas também se tornaram potenciais atividades econômicas para a comunidade. Através do compartilhamento de suas habilidades produtivas, seus filhos Zé Valdo (José Valdo Rosa, falecido em 2017) e Zé de Rita (José dos Santos Braga) se tornaram mestres artesãos naturais.
Zé Valdo, o mestre do entalhe de madeira, dedicou sua vida a aperfeiçoar essa técnica milenar. Com mãos hábeis e uma mente criativa, ele esculpia peças únicas, transformando troncos inertes em verdadeiras obras de arte. Seu talento ultrapassou os limites de Morada Velha, inspirando outros artesãos e conquistando reconhecimento em toda a região. Por outro lado, Zé de Rita, mestre no trançado da fibra da palha do licuri, honrava a tradição familiar e preservava os saberes passados de geração em geração. Sua destreza e paciência na confecção de cestas, chapéus e outros objetos eram verdadeiras manifestações de amor pelo seu povo e pelo bioma local.
"Eu sou Zé de Rita, faço parte da associação AASB: Associação de Artesãos de Santa Brígida, A gente trabalha com a fibra da palha do licuri, fazemos porta joias, cestos, bolsas, e com a madeira a gente faz todo tipo de pássaro da caatinga".
Ambos os mestres artesãos não apenas transmitiam seus conhecimentos para os membros da própria comunidade, capacitando filhos e agregados, mas também buscavam expandir sua influência para as comunidades vizinhas, dentro e fora do município. Eles acreditavam na importância de preservar e disseminar essas técnicas tradicionais, promovendo a valorização da cultura local e a sustentabilidade do bioma.
No entorno da Comunidade Morada Velha, encontramos a presença de indivíduos da Arara-azul-de-lear, uma espécie ameaçada de extinção. No entanto, a partir de 2001, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) implementaram o Programa de Conservação da Arara-azul-de-lear, resultando na melhoria do status de conservação da espécie, que passou de perigo para vulnerável na avaliação do estado de conservação das Aves da Caatinga.
Além de suas habilidades, essa família também abraçava a responsabilidade de proteger a fauna local. Eles se empenhavam na preservação da Arara-azul-de-lear, espécie ameaçada de extinção encontrada na região. A conscientização sobre a importância da conservação do ecossistema era uma causa que abraçavam com fervor, mostrando que a harmonia entre o ser humano e a natureza era possível mesmo nas condições mais adversas.
Foi em 2008 que a bióloga Simone Tenório, na época integrante da Loro Parque Fundación, conheceu o trabalho realizado em Morada Velha e percebeu que essa iniciativa poderia ser expandida para outras comunidades da região. Os programas dessa fundação, focados na preservação do licuri e da Arara-azul-de-lear, estimulavam o protagonismo das comunidades na conservação da espécie, envolvendo os agricultores familiares locais e gerando renda.
O Polo da Palha do Licuri abrange territorialmente a comunidade de Morada Velha, no município de Santa Brígida/BA, a comunidade do Chuquê, no município de Jeremoabo/BA, e a comunidade de Serra Branca, em Euclides da Cunha/BA. Esse espaço de discussão e organização setorial e territorial reúne atualmente esses três grupos produtivos, contando com a participação direta de cerca de 50 indivíduos.
Para que esse processo de multiplicação e promoção da atividade pudesse ser iniciado, diversas ações institucionais ocorreram, demonstrando a participação de agentes externos nesse processo. A transferência da técnica do trançado para outros artesãos da região resultou na formação de um grupo inicial de 25 integrantes, representando os diversos distritos do município. Entretanto, foi o povoado de Morada Velha que demonstrou maior interesse pela atividade, formando um núcleo produtivo com o maior número de participantes.
Com o interesse demonstrado pelos moradores da comunidade e a habilidade apresentada por seus integrantes, outras ações foram realizadas, fortalecendo a produção artesanal local e impulsionando a preservação da biodiversidade, principalmente da Arara-azul-de-lear. Essas iniciativas representam um importante passo para o desenvolvimento sustentável da região e para a valorização da identidade cultural do povo sertanejo.
A Comunidade Morada Velha se destaca como um exemplo de como a preservação ambiental, a valorização das manifestações culturais e a geração de renda podem caminhar juntas, promovendo o protagonismo das comunidades e construindo um futuro melhor para todos.
Bruna Cordeiro - ASCOM AGENDHA
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