Dentre outros dados, pesquisa aponta que 70% das famílias que estocam sementes crioulas puderam contar com o recurso em quantidade suficiente para produzir alimentos, mesmo durante o período mais crítico da pandemia.
Enquanto o governo federal vetou na íntegra o PL 823, conhecido como Lei Assis de Carvalho, que destina apoio à agricultura familiar neste período de pandemia, e mesmo com a redução das políticas públicas, famílias agricultoras da região semiárida tiveram maior resiliência aos efeitos da pandemia, graças às práticas de convivência com o Semiárido.
É o que afirma uma pesquisa realizada por meio de uma parceria entre a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), o Fundo das Nações Unidas para a Alimentação (FAO) e a Fiocruz Brasília. Os dados foram apresentados na última quinta, 23, em evento online, contando com integrantes das organizações realizadoras da pesquisa.
De acordo com o chefe da Unidade de Compromisso com a Agricultura Familiar e Alianças Parlamentares (PSUF) - FAO, Guilherme Brady, a pesquisa apontou que, de um universo de 1.800 agricultores/as pesquisados/as beneficiários/as do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), 70% afirmou dispor de sementes crioulas em quantidade suficiente mesmo durante o período da pandemia. “A maioria declarou consumir os produtos cultivados com as próprias sementes”, completa Guilherme. A pesquisa foi realizada em 40 municípios de nove estados da região semiárida.
Guilherme Brady, representa da FAO, destacou que, por exemplo, as famílias produtoras de sementes mantiveram a mesma a renda ou aumentaram a renda durante a pandemia - Imagem: Reprodução do YoutubeAinda de acordo com o levantamento, as cisternas garantidas pelo P1+2 são a principal fonte de água dessas famílias que vivem em estados com baixíssima cobertura hídrica, a exemplo de Alagoas e Sergipe, ambos com menos de 20% da população com acesso à água corrente. Por outro lado, dentre o público pesquisado, 100% têm acesso às cisternas de 16 mil e 52 mil litros. É importante ressaltar que a água é um bem essencial para a prevenção à Covid-19. “A gente sabe que esta estratégia existe desde antes da pandemia, mas é uma estratégia que ajuda as famílias a sofrerem menos o impacto durante a pandemia, porque é uma estratégia baseada em uma autonomia importante de acesso a insumos e alguns serviços e redes de solidariedade”, analisou Guilherme.
O coordenador do Projeto Daki Semiárido Vivo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Antônio Barbosa, explicou como se deu a implementação da perspectiva dos territórios saudáveis e sustentáveis, que devem servir para atender às famílias nos contextos atual e do pós -pandemia. Ele lembrou dos ciclos de encontros que debateram temas como “Sustentabilidade Socioambiental e Sanitária no Semiárido” , “Segurança Alimentar e Nutricional” e “Caminho das águas no Semiárido”, entre outros. O objetivo dessas discussões foi construir protocolos de segurança contra à Covid adaptados ao modo de viver das famílias, envolvendo agentes de saúde, prefeituras e outros sujeitos”, pontuou.
A metodologia de Vigilância Popular em Saúde e Segurança Alimentar, fruto dos ciclos de debates realizados junto com as famílias do P1+2, com o objetivo de reduzir as vulnerabilidades socioambientais e de insegurança alimentar , segundo o Coordenador do Programa Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília, Jorge Mesquita, já está implementado em algumas regiões do estado. O Sertão do Pajeú, no estado de Pernambuco, do Médio e Submédio São Francisco na Bahia, e de Cocais e Entre Rios no estado do Piauí, já estão lançando mão da experiência.
Acompanhando o evento de lançamento no Youtube, a baiana Maria do Socorro de Souza, perguntou sobre a importância da perspectiva dos territórios saudáveis e sustentáveis para a convivência com o Semiárido. Em resposta, Antônio Barbosa destacou que “os conceitos de convivência com o Semiárido e de territórios sustentáveis são muito potentes. O conceito de convivência olha para a natureza como potencial, como diversa. O conceito de territórios sustentáveis valoriza a ideia do local. Não temos nenhuma dúvida de que pensar o desenvolvimento de territórios saudáveis e sustentáveis é o que vai salvar o planeta”, conclui. Alba Mendes, que acompanhou o evento na plataforma do Zoom, perguntou se os participantes da pesquisa que armazenavam sementes estavam organizados, possuíam sementes crioulas ou estavam organizados em bancos.
Na avaliação de Antônio Barbosa, além de possuírem sementes comunitárias, as famílias, que estavam inseridas em ações da ASA, costumavam realizar a troca das espécies de sementes. Guilherme Brady, da FAO, complementou afirmando que, segundo a pesquisa, 65% das famílias que produziam sementes mantiveram a renda com o mesmo patamar ou aumentaram a renda.
Aproveitando o debate sobre as sementes, o representante da ASA registrou que as famílias guardiãs de sementes estão sofrendo um ataque em relação à espécie milho crioulo, que corre o risco de contaminação com a transgenia. “Existe um avanço de contaminação muito grande com a transgenia do milho do Semiárido, que é muito preocupante. Materiais que estão aí há 100, 200 anos estão correndo o risco de ser contaminados. Outro alerta feito pelo coordenador do Projeto Daki Semiárido Vivo se deu em relação à falta de políticas públicas de incentivo à agricultura familiar, que tem como base a convivência com o Semiárido. “A realidade que a gente vive no Brasil é de um governo insensível.
É muito contraditório porque, imagine uma pessoa que não sabe a situação do Brasil, que não conhece quem é o governo de um lado ou de outro, mas que sabe que a fome aumentou no país, mas o lugar que produz alimento não recebe incentivo. Deveria apostar na agricultura familiar, fazer com que ela produza mais, porque a produção da agricultura familiar significa mais alimentos, mais pessoas alimentadas”, concluiu.
Por Adriana Amâncio - Asacom em: 24/09/2021.
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